terça-feira, 9 de agosto de 2011

Tinha gosto de morango, era quente como abraço e tinha cheiro de torta. Mas os morangos apodreceram, esquecidos na fruteira da sala-de-estar. Os abraços esfriaram à brisa fria, no parque já deserto. A torta na janela acabou, comida ás pressas por duas crianças que se diziam um casal. Nunca mais se viram as crianças. Cresceram. Jamais se lembraram os adultos. Mas algum dia o rapaz passará pelas estradinhas do parque, aquelas banhadas de alaranjados e mornos raios de sol. Aquelas cujas folhas enterram no chão de terra lembranças de abraços que esfriaram ao sabor da brisa, num outono qualquer. Mas algum dia a garota se afundará na poltrona da sala-de-estar, aquela ao lado da mesinha enfeitada com uma fruteira vazia. Aquela que tem manchas de sangue, espremido por mãos uma vez pequenas de dentro de pequenos morangos silvestres, ignorados pelos então infantis lábios por trazerem lembranças amargas de tempos que ainda viriam. E quando os adultos perceberem tais lembranças jamais recordadas, a nostalgia os pegará de surpresa. Serão então gente-grande na cozinha, cada um preparando uma torta de amoras, a qual comerão apressados, com vontade de beijos com gosto de morango; de abraços quentes de sol dourado; de pescoços, cabelos, corpos com cheiro de torta. E quando os lábios já crescidos provarem a torta, as bochechas um dia vermelhas e lisas provarão lágrimas quentes e salgadas, rolando sobre as rugas provocadas por sorrisos que os lábios já secos e pálidos jamias deram.

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